Cada vez mais pesquisadores identificam funções importantes
desempenhadas por trechos do DNA antes considerados lixo. Entre esses
segmentos do material genético estão os chamados elementos de
transposição ou transposons. São fragmentos que, a qualquer momento,
duplicam-se ou se destacam de onde estão e se instalam em outras partes
do DNA, às vezes junto a genes essenciais ou até em meio à estrutura
desses genes. Na investigação desses curiosos personagens moleculares, o
grupo da bióloga Marie-Anne Van Sluys, da Universidade de São Paulo
(USP), ataca o genoma da cana-de-açúcar em bloco – um enfoque inovador. E
mostra que os movimentos desses fragmentos são menos aleatórios do que
se imagina e possivelmente têm papel importante na dinâmica do genoma.
Essa análise em ampla escala tornou-se possível graças aos resultados
do Projeto Genoma Cana-de-Açúcar (Sucest), encerrado em 2001, que
desvendou sequências do genoma funcional dessa planta essencial na
economia brasileira e revelou a existência de 276 elementos de
transposição ativos – ou expressos, no jargão da biologia.
A partir dos resultados do Sucest e do aumento da capacidade de gerar
e analisar enormes volumes de dados, o grupo de Marie-Anne se debruçou
de 2009 em diante, em colaboração com colegas do estado de São Paulo, no
sequenciamento de mil pedaços seletos do genoma da cana-de-açúcar. Sua
equipe hoje parece uma linha de produção de conhecimento científico, e
de certa maneira é: uma série de artigos deste ano traz avanços
importantes sobre o funcionamento dos transposons.
“Fomos os primeiros a mostrar molecularmente que os elementos de
transposição têm padrões individualizados”, explica Marie-Anne. Isso
significa que, quando um desses fragmentos de DNA se destaca de sua
localização de origem, seu destino não é tão aleatório como se pensava.
Cada família de transposons tem uma tendência maior a se instalar em
determinados cromossomos ou regiões cromossômicas. Ao estabelecer esses
padrões, Marie-Anne espera caracterizar como essa interação influencia a
ação dos genes.
Os elementos de transposição podem ajudar a identificar e controlar o
funcionamento de genes como os responsáveis pela resistência à seca,
contribuindo para a produção de variedades adaptadas a ambientes mais
áridos. Mas o interesse econômico nem é o principal para os geneticistas
vegetais, que consideram o funcionamento genético da cana-de-açúcar
interessante por si só devido à origem híbrida e às duplicações que
fazem com que a espécie tenha um genoma múltiplo, com várias cópias de
cada gene. Parece fascinante imaginar que pequenos fragmentos de DNA,
que se movimentam de um lado para o outro dentro do núcleo da célula,
como se fossem ciganos, podem ter contribuído para que a cana-de-açúcar
não fosse apenas mais uma espécie entre muitos tipos de capim.
Leia o artigo completo na Revista Fapesp
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