Braskem amplia mercados com polímero feito a partir de etanol e investe em rotas biotecnológica.
Maria Carolina Grassi dedica-se à seleção de microrganismos robustos e competitivos
A petroquímica brasileira Braskem, sexta colocada no ranking mundial do setor, produz anualmente mais de 16 milhões de toneladas de intermediários químicos e resinas termoplásticas, como polietileno, polipropileno e PVC, e lidera a produção do chamado polietileno verde, feito a partir do etanol da cana-de-açúcar, resultado de um trabalho de pesquisa e desenvolvimento tecnológico dos pesquisadores da área de polímeros. Apenas três anos atrás ela ocupava a 11ª posição. A rápida escalada deve-se principalmente à compra da empresa brasileira Quattor e da divisão de polipropileno da petroquímica norte-americana Sunoco, na Filadélfia, em março de 2010, o que abriu espaço para a atuação fora do Brasil, e de quatro fábricas de polimerização da Dow Chemical, duas nos Estados Unidos e duas na Alemanha, no ano passado.
A inauguração da fábrica de polímero do etanol de cana em setembro de 2010 com capacidade de produção de 200 mil toneladas por ano no polo petroquímico de Triunfo (RS), onde está localizada a petroquímica, também contribuiu para esse resultado. Sozinha ela representa 28% do mercado mundial de biopolímeros produzidos em 2010, que totalizou 724.500 toneladas, segundo a European Bioplastics, associação europeia que representa os fabricantes, transformadores e usuários de bioplásticos e polímeros biodegradáveis. A projeção é de um mercado com grande fôlego de crescimento. A associação europeia estima que em 2015 a produção atinja 1,7 milhão de toneladas.
No Brasil, o polietileno verde é usado, por exemplo, pela Danone em embalagens de iogurte, pela Faber Castell em embalagens de lápis e pela Natura nos seus produtos da linha erva-doce. A Braskem vende o polímero bruto para os seus clientes, que se encarregam da transformação da resina em embalagens de cosméticos, protetores solares, brinquedos, sacolas de supermercado e outras aplicações. Fora do Brasil, os acordos comerciais para a utilização do polímero da cana têm se ampliado, a exemplo da parceria firmada no início de junho com o grupo alemão Tecnaro, empresa que desenvolveu uma espécie de madeira termoplástica chamada Arboform, para dar outros usos para a resina.
A possibilidade de voltar a produzir um polímero verde pela petroquímica, que tem como principais acionistas o grupo Odebrecht e a Petrobras, surgiu em 2004, mas só em 2006, quando a empresa contratou uma consultoria externa para fazer um mapeamento do mercado global, o projeto tomou forma. “Na conversa com clientes, percebemos que a questão da sustentabilidade estava ganhando importância no mercado consumidor”, diz Patrick Teyssonneyre, diretor de inovação e tecnologia para polímeros, de 35 anos e há 12 na Braskem. Para o trabalho de prospecção a empresa tem uma equipe de 70 pessoas, composta pelas áreas comerciais, de marketing, desenvolvimento de mercado e engenharia de aplicação, que estão sempre em campo consultando clientes e consumidores finais sobre as necessidades e tendências no setor.
As melhores ideias são convertidas em projetos que podem ter como objetivo desde um novo produto ou tecnologia até um novo serviço e aplicação para algum produto já existente. “Buscamos universidades no mundo que são as mais destacadas nos assuntos em pauta nos projetos e fazemos propostas de trabalho conjunto”, diz Teyssonneyre, engenheiro de materiais formado pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O primeiro contato com a Braskem foi durante um estágio feito quando cursava a universidade. “Comecei como engenheiro de desenvolvimento de produtos e depois passei a gostar dos laboratórios”, conta o diretor, que fez MBA em gestão na Fundação Getúlio Vargas.
Entre as instituições parceiras da empresa estão a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e as universidades Clemson, Massachusetts e Stanford, nos Estados Unidos. Com Stanford, por exemplo, a Braskem firmou um contrato para o desenvolvimento de uma resina de polipropileno para o segmento de fibrocimento, que apresentou excelente desempenho em comparação com as alternativas existentes no mercado. Em maio, a empresa depositou uma patente da tecnologia desenvolvida e o lançamento comercial do produto está previsto para outubro deste ano.
A Braskem tem 35 plantas industriais distribuídas pelo Brasil, Estados Unidos e Alemanha, e dois centros de pesquisa dedicados a petroquímicos, um em Triunfo com 180 pesquisadores e o outro em Pittsburgh, na Pensilvânia, Estados Unidos, com 40 pesquisadores. Além disso, ela dispõe de um laboratório de biotecnologia e um de fermentação, sediados no Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), em Campinas, com 25 pesquisadores. Esses laboratórios atuam na pesquisa e desenvolvimento de tecnologias renováveis e contam ainda com uma equipe de processos renováveis. Engenheiros químicos, engenheiros de materiais, químicos e, mais recentemente, biólogos, bioquímicos e bioinformáticos compõem o quadro de pesquisadores. Cerca de 40% têm graduação, mestrado ou doutorado e o restante é formado por técnicos de laboratório. “Os três laboratórios se complementam e operam de forma integrada”, diz Teyssonneyre. Em 2011, a Braskem investiu R$ 155 milhões em pesquisa e teve renda líquida de R$ 33,2 bilhões, um aumento de 19% em relação ao ano anterior.
© LÉO RAMOS
Pesquisadores no laboratório de biotecnologia instalado no LNBio, em Campinas
“Um diferencial da Braskem no desenvolvimento de produtos é a sua proximidade com o cliente e diferentes centros de pesquisa nacionais e internacionais, além da qualificação dos integrantes”, diz Mauro Alfredo Soto Oviedo, de 41 anos, pesquisador da área de polímeros em Triunfo, com graduação em bioquímica pela Universidade de Concepción, no Chile, mestrado em biotecnologia industrial na Universidade de São Paulo (USP) e doutorado em química na Unicamp, além de um estágio em química na Universidade Birmingham, na Inglaterra, onde estudou mecanismos de degradação de materiais poliméricos, e pós-doutorado em nanotecnologia de polímeros, também na Unicamp. Toda a sua pós-graduação, inclusive o estágio na Inglaterra, foi apoiada pela FAPESP.
A política da petroquímica é garantir que os recursos sejam bem investidos. “Sabemos que a inovação tem risco e nem todos os projetos vão dar certo, por isso procuramos identificar nos estágios iniciais aqueles que não são promissores”, diz Teyssonneyre. A cada etapa do projeto é feita uma análise detalhada de riscos, tanto técnico quanto comercial, para avaliar o grau de viabilidade. Oviedo, por exemplo, foi convidado para trabalhar na Braskem em junho de 2006 como integrante de um grupo criado para desenvolver pesquisas na área de nanotecnologia para a classe das poliolefinas, da qual fazem parte o polietileno e o polipropileno. “O desenvolvimento da tecnologia avançou em escala piloto, mas o mercado para esse tipo de poliolefinas especiais não cresceu conforme o previsto, por isso os recursos destinados a essa linha de pesquisa foram alocados para projetos de maior prioridade”, diz Oviedo. Enquanto aguarda o momento certo para produzir essa tecnologia, o grupo que durante três anos ficou envolvido com o projeto foi realocado para outras áreas. “Hoje trabalho na área de ciência de polímeros.” A equipe conta com 18 pesquisadores, entre químicos, engenheiros, farmacêuticos e bioquímicos, todos com mestrado ou doutorado.
Marcelo Farah, de 37 anos, graduado em engenharia de materiais pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no Paraná, com mestrado e doutorado em ciência e engenharia dos materiais pela UFSCar, também com bolsa FAPESP, faz parte desse grupo desde 2005. “Trabalhamos com assuntos diferentes e um tempo de resposta rápida para atender às necessidades e estratégias bastante diversas das requisitadas na universidade”, diz Farah. Uma das tarefas do grupo é fazer a ponte com a academia. “Buscamos capturar oportunidades de pesquisas, com resultados que nos interessam para incorporar a tecnologia no nosso dia a dia.”
A Braskem não destina um percentual fixo para a pesquisa. O valor anual varia em função dos projetos em andamento. Para a implantação da fábrica de polietileno de etanol da cana, por exemplo, foram destinados R$ 500 milhões. Embora não seja biodegradável, já que sua estrutura química é idêntica à do plástico obtido do petróleo, o que confere à resina as mesmas propriedades físicas e mecânicas, o polímero verde tem atraído a atenção do mercado por ser oriundo de uma fonte renovável.
Tecnologias renováveisA estrutura de pesquisa de tecnologias renováveis, instalada no LNBio desde setembro de 2010, originou-se de uma parceria entre a Braskem e o laboratório de Genômica e Expressão da Unicamp em 2007, por meio de um projeto coordenado pelo professor Gonçalo Guimarães Pereira, que teve apoio da FAPESP na modalidade Programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite), intitulado
Rotas verdes para o propeno (
ver Pesquisa FAPESP nº 177). Os seis alunos de pós-graduação que participaram inicialmente do projeto foram contratados pela Braskem. “Meu doutorado em genética e biologia molecular, que está sendo finalizado, foi iniciado na Unicamp dentro desse projeto”, diz a pesquisadora Maria Carolina Grassi, de 27 anos, formada em biologia pela mesma universidade e uma das contratadas.
“A equipe de processos renováveis acompanha tudo o que é desenvolvido em escala microscópica pelos pesquisadores da biotecnologia, avaliando e otimizando os principais aspectos da transformação em escala industrial”, diz Maria Ignez Broglio, 47 anos, engenheira química formada pela Unicamp, onde também fez mestrado, que coordena uma das linhas de pesquisa com foco em catálise. A tarefa da equipe de Maria Ignez, que durante 20 anos trabalhou na indústria química de base e desde 2010 está na Braskem, é desenvolver uma rota inovadora para a produção de monômeros que serão utilizados na produção de plásticos verdes.
No laboratório de biotecnologia são desenvolvidas vias metabólicas para a produção de compostos químicos de interesse. “Buscamos microrganismos que sejam robustos, com alto rendimento e alta produtividade do composto químico final, a exemplo dos utilizados na produção industrial de etanol e ácido lático”, diz Maria Carolina.
Maria Ignez coordena uma linha de pesquisa que tem como objetivo chegar mais rapidamente a moléculas verdes com o uso de fontes de carbono renováveis e a utilização de novos catalisadores (responsáveis pela aceleração dos processos químicos). Ela cita o exemplo do álcool da cana que foi transformado em monômero verde por meio de catálise ácida. Por esse método, o catalisador ácido desidrata o etanol, transformando-o em eteno, processo com altíssimo rendimento. “A vantagem desse processo é que não é preciso mexer nas instalações na etapa posterior de polimerização da molécula obtida pela catálise”, diz. Para produzir o polietileno verde, por exemplo, a Braskem fez investimentos na primeira etapa, chamada reacional, e na purificação. A estratégia tem como objetivo dispor de rotas alternativas para produzir novas moléculas verdes para o mercado e assim ganhar tempo para a evolução dos microrganismos modificados biotecnologicamente.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP.