
Inaugurado em setembro de 2010, como parte do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, em Campinas, o Laboratório de Modificação do Genoma (LMG) - que Xavier coordena - foi criado para prestar um serviço essencial à ciência brasileira: a produção de modelos animais geneticamente modificados. Uma ferramenta básica para o avanço das pesquisas médicas e biológicas de diversas áreas, mas historicamente muito pouco usada no Brasil.
"Estamos falando de uma tecnologia que existe desde 1981", ressalta Xavier, referindo-se ao ano em que foram produzidos os primeiros camundongos transgênicos no mundo. Desde então, o genoma do camundongo já foi completamente sequenciado e praticamente todos os seus genes - 95% dos quais são iguais aos do homem - já foram modificados de uma forma ou de outra para a investigação de processos biológicos básicos e aplicados a doenças humanas.
Só o Laboratório Jackson, um dos maiores fornecedores de camundongos transgênicos do mundo, nos EUA, tem um catálogo com mais de 6 mil variedades e vendeu, só no ano passado, mais de 3 milhões de animais para pesquisadores de 56 países.
No Brasil, porém, a "moda" não pegou. O primeiro camundongo transgênico do País só foi produzido em 2000, na Universidade de São Paulo (USP), e mesmo depois disso nunca se estabeleceu um serviço de produção de linhagens capaz de abastecer a ciência nacional. O jeito é importar linhagens prontas (solução cara e burocrática), desenvolver linhagens próprias (inviável para a maioria dos laboratórios) ou se limitar a fazer pesquisas in vitro (solução mais simples, porém de menor impacto científico). "Definitivamente perdemos o bonde dessa tecnologia", diz Xavier. "Não só ela não foi incorporada como não se desenvolveu uma cultura de usar esses animais aqui."
O LMG foi pensado para reverter esse quadro, operando simultaneamente como centro de pesquisa e prestação de serviços, produzindo animais transgênicos customizados para pesquisadores de todo o País. Se um cientista precisa de um animal transgênico, ele faz a encomenda, fornece as especificações, o LMG produz o animal e manda para ele. Tal qual um escritório de engenharia executa um projeto para um arquiteto. Só que a engenharia, neste caso, é genética. E a arquitetura, biológica.
As duas primeiras encomendas - feitas por Lygia Pereira, da USP, e Francisco Laurindo, do Instituto do Coração (Incor) - começaram a ser produzidas neste mês. O serviço é gratuito para projetos de pesquisa pública.
Antes de abrir o balcão, porém, o LMG já produziu cerca de 50 linhagens de camundongos transgênicos, utilizando nove genes diferentes, para projetos de pesquisa internos do laboratório. Vários deles, voltados para pesquisas cardíacas, relacionadas ao desenvolvimento e ao funcionamento do coração - herança, em parte, dos 21 anos em que Xavier foi pesquisador do Incor.
Outras 15 linhagens foram importadas do Laboratório Jackson, por US$ 6,5 mil (cerca de US$ 230 por animal). O Estado presenciou a chegada das últimas quatro, no início do mês: oito camundongos em uma caixa de plástico com comida e água em forma de gel. São animais com um grau a mais de complexidade transgênica. Eles têm uma enzima no organismo que funciona como um interruptor molecular, que permite aos cientistas ligar ou desligar as modificações genéticas onde e quando desejarem. Por exemplo: só no tecido cardíaco ou só na fase adulta do animal.
A ideia é cruzar esses bichos com as linhagens customizadas do laboratório, combinando o interruptor já embutido nos pais com os genes que serão colocados no genoma dos filhos. "O bicho já vem com o interruptor, a gente só acrescenta a lâmpada", compara Xavier.
Engenharia genética. Para produzir os animais transgênicos, os cientistas injetam em seus embriões pedaços de DNA especialmente montados em laboratório (chamados "construções"), contendo o gene de interesse da pesquisa e uma série de outros códigos genéticos associados ao seu funcionamento.
Seja qual for o método aplicado, a ideia é que essa construção se integre ao genoma do embrião e passe a funcionar como se fosse parte original dele - algo como embutir um software genético no sistema operacional do bicho. Dependendo do que estiver escrito nesse software, ele pode executar uma série de funções, como inibir a ação de algum outro gene ou ordenar a superexpressão de uma proteína cuja função os cientistas desejam estudar. "O limite é a imaginação do pesquisador", diz Xavier.
Manipulações que não podem ser feitas em seres humanos. Mas que, pela semelhança genética entre homens e camundongos, podem dar contribuições diretas para o conhecimento da biologia humana e para a cura de doenças.
As ninhadas primogênitas das duas primeiras encomendas são esperadas para outubro.
Fonte: Estadão
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