Um fármaco
desenvolvido por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) para
aliviar os sintomas da anemia falciforme une os benefícios da talidomida e do quimioterápico hidroxiureia – já usado no
tratamento crônico da doença – sem apresentar os efeitos tóxicos das drogas
originais.
A molécula, patenteada com o nome Lapdesf1, mostrou
bons resultados em ensaios com camundongos feitos na Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). Os cientistas das duas instituições buscam agora parceria
com a indústria farmacêutica para a realização dos primeiros testes em humanos.
“A pesquisa representa um avanço para o tratamento da
anemia falciforme, considerada uma doença extremamente negligenciada, e ajudará
a diminuir vários sintomas presentes nos pacientes, como dor e inflamação”,
disse o pesquisador da Unesp de Araraquara Jean Leandro dos Santos, que
atualmente trabalha no aperfeiçoamento da molécula em projeto de pesquisa ("Otimização,
síntese e avaliação farmacológica de novos candidatos a fármacos para
tratamento dos sintomas da anemia falciforme") apoiado pela FAPESP.
A anemia falciforme é uma das doenças hereditárias
mais prevalentes no Brasil e estima-se que existam mais de 50 mil afetados.
Comum em populações afrodescendentes, é causada por uma alteração genética na
hemoglobina, proteína presente nas hemácias – glóbulos vermelhos do sangue –
que ajuda no transporte do oxigênio.
A mutação faz com que as hemácias assumam a forma de
foice depois que o oxigênio é liberado aos tecidos. Em baixas tensões de
oxigênio, as células se tornam deformadas, rígidas e propensas a se agregarem,
ou seja, a formar uma massa celular que adere ao endotélio e dificulta a
circulação sanguínea – processo conhecido como vaso-oclusão.. A doença também
compromete os ossos, as articulações e tende a se agravar com o passar dos
anos, reduzindo a expectativa de vida dos portadores.
A hidroxiureia é hoje uma das drogas mais usadas no
tratamento da anemia falciforme por ser capaz de aumentar a produção de um
outro tipo de hemoglobina, conhecida como hemoglobina fetal (mais presente no
período de vida uterina). Altos níveis de hemoglobina fetal diminuem a
polimerização das hemácias defeituosas e reduzem o risco de vaso-oclusão.
Como qualquer quimioterápico, porém, a hidroxiureia
apresenta efeitos adversos. Além de causar náuseas, dores abdominais e de
cabeça, tonturas, sonolência e convulsões, pode ainda diminuir a produção de
células da medula óssea. Também pode afetar as células reprodutivas e levar à
infertilidade.
Já a talidomida, inicialmente usada como sedativo e
antiemético (contra náuseas), foi retirada do mercado em todo o mundo nos anos
1960 depois de provocar uma epidemia de recém-nascidos com malformações. Foi
posteriormente reintroduzida nos anos 1990 para tratamento de câncer,
hanseníase, lúpus e Aids. No Brasil, o uso da talidomida é controlado e a droga
é produzida por laboratórios públicos e fornecida pelo Sistema Único de Saúde
(SUS).
De acordo com Santos, no caso da anemia falciforme, a
talidomida é interessante por seus efeitos anti-inflamatórios. “Nós
aproveitamos da talidomida a subunidade responsável pelos efeitos
anti-inflamatórios benéficos e acrescentamos à molécula o mecanismo de ação da
hidroxiureia, relacionado à capacidade de doar óxido nítrico – mediador
responsável pelo aumento da hemoglobina fetal. Nos ensaios de toxicidade feitos
até o momento, o Lapdesf1 não apresentou nenhum dos efeitos negativos dos
fármacos originais”, disse.
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