Apreciado em sucos, cremes ou sorvetes, o açaí, fruto da palmeira Euterpe oleracea, poderá ser usado na produção de um plástico natural e renovável para compor próteses ósseas, principalmente na região da cabeça. Para isso, serão utilizadas apenas as sementes do fruto. A novidade partiu de uma equipe de pesquisadores liderada pelo engenheiro químico Rubens Maciel Filho, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Muito comum na região Norte do país, o plástico de açaí demonstrou ter as mesmas características do poliuretano feito a partir do petróleo. Os testes in vitro indicam que o material é biocompatível e apresenta excelentes propriedades mecânicas e biológicas.
“De acordo com pesquisas recentes, esse fruto tem propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e analgésicas, entre outras com interesse em bioaplicações”, explica Maciel, coordenador do Instituto de Biofabricação (Biofabris), um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), sediado na Faculdade de Engenharia Química (FEQ), na Unicamp. As pesquisas começaram em 2009 e o novo polímero, que gerou um pedido de patente, é resultado do trabalho de mestrado e depois de doutorado da pesquisadora Laís Gabriel, ambos sob a orientação de Maciel.
O engenheiro mecânico André Jardini, pesquisador do Biofabris, diz que o poliuretano é um material muito usado na fabricação de próteses ortopédicas, porque tem compatibilidade com os tecidos vivos. “Além disso, não libera substâncias tóxicas quando implantado”, diz. “Se for de origem vegetal, tem outra vantagem, que é o baixo custo da matéria-prima. A comparação pode ser feita com uma prótese craniana de biocerâmica que custa, em média, R$ 120 mil. Nossa expectativa é de produção de uma similar de açaí com custo cinco vezes menor aproximadamente.”
O processo de produção do novo material começa com a retirada da polpa do fruto numa máquina apropriada para isso. O consumo do açaí na cidade de Belém gera 350 toneladas por dia de despolpados (sementes e bagaço). “E sobra uma biomassa úmida, caroços recobertos de fibras e partículas não solúveis”, explica a professora Carmen Gilda Tavares Dias, do Laboratório de Engenharia Mecânica da Universidade Federal do Pará (UFPA), que forneceu as amostras de despolpados, usadas pelos pesquisadores do Biofabris. “Essa biomassa é colocada numa máquina de secagem para retirada das sementes secas.”
© EDUARDO CESAR
Prótese na forma de treliça, produzida com sementes do fruto do açaizeiro
A partir dessa fase começa a produção propriamente dita do poliuretano, feito a partir de uma substância chamada poliol, retirada das sementes. A ela adiciona-se um composto químico com isocianato (um líquido viscoso) e gás hidrogênio dentro de um reator. O passo seguinte é acrescentar nanopartículas de hidroxiapatita, uma substância formada principalmente por fosfato de cálcio, o principal constituinte dos ossos, que é absorvível pelo organismo. O produto final é o polímero de açaí, uma espuma rígida e porosa, que facilita o crescimento ósseo. De acordo com os pesquisadores, ele é mais indicado para implantes e próteses em regiões do corpo que não exigem grande esforço mecânico, como o crânio e a face. “No caso de uma prótese para a cabeça do fêmur, por exemplo, há outros materiais mais resistentes, como o titânio”, diz Jardini.
Se for aprovado nos testes clínicos, pelos quais ainda está passando, o biopoliuretano, desenvolvido no Biofabris com financiamento da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), poderá ser uma alternativa precisa e rápida de criar uma prótese ou implante ósseo. O tratamento poderá ser personalizado, de acordo com as necessidades de cada paciente. A partir de uma imagem tomográfica da região lesionada, processada pelo
software InVesalius (
ver em Pesquisa FAPESP nº 148), desenvolvido pelo Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), de Campinas, será possível produzir uma prótese sob medida. Jardini explica que o primeiro passo para essa personalização é fazer a segmentação, separando tecido mole (pele, músculos, artérias) do tecido duro (osso). “O passo seguinte é gerar uma imagem tridimensional do tecido duro, mostrando a parte faltante. Em seguida, por espelhamento, nós ‘desenhamos’ a prótese. O último passo é enviar essa informação para um equipamento de prototipagem rápida, que fará uma réplica anatômica fiel, camada por camada, do osso inexistente.”
Para Santos o termo biopolímero possui dois amplos significados. “Ele pode ser um biomaterial para uso biomédico ou um polímero obtido a partir de materiais biológicos que não necessariamente é usado em humanos”, explica. Em relação às suas próprias pesquisas, Santos diz que desenvolve um plástico derivado do ácido lático, encontrado, por exemplo, na carne ou no leite, utilizado em fios de suturas e em implantes absorvíveis. “Outro biopolímero com que trabalhamos é o alginato de sódio, derivado de algas”, conta. “O material é um hidrogel, que absorve grande quantidade de água, podendo ser utilizado para cobrir feridas de queimados e de diabéticos, em fraldas e absorventes, além de também poder ser empregado como suporte para cultura de células.” Ambos os trabalhos geraram pedido de patente.A área de biomateriais e biofabricação é um campo em que as pesquisas vêm crescendo em todo o mundo. “A área dos biopolímeros ou biomateriais poliméricos é bastante extensa, devido a ampla variedade de plásticos que podem ser utilizados, como, por exemplo, acrílico, polietileno, polipropileno e PVC”, diz Luís Alberto dos Santos, professor do Laboratório de Biomateriais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “As pesquisas têm se focado em dois tipos de polímeros: os de alta resistência mecânica, para uso em locais de alta solicitação (coluna, placas, parafusos) e os absorvíveis, que não necessitam de cirurgia para retirada e podem ser utilizados para liberação de drogas e antibióticos.”