sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Um bloqueio aos ataques do HIV

Há pouco mais de três anos um grupo de médicos de Berlim publicou os resultados de um experimento inédito que surpreendeu os especialistas em HIV. O grupo alemão retirou medula óssea – fonte das células imunes do corpo – de um doador anônimo cuja herança genética o tornara naturalmente resistente ao HIV. Em seguida suas células foram transplantadas em um homem com leucemia e portador do vírus HIV por mais de dez anos. Embora o tratamento de leucemia a que o paciente foi submetido tenha sido o recomendado para a terapia de transplante de medula óssea, o grupo também esperava que a intervenção pudesse fornecer células resistentes ao HIV suficientes para controlar a infecção. A terapia superou as expectativas. Em vez de apenas reduzir a quantidade de HIV no sangue do paciente o transplante eliminou todas as evidências detectáveis do vírus em seu organismo, incluindo vários tecidos onde poderia ter permanecido latente. Os pesquisadores ficaram tão surpresos com os resultados que esperaram quase dois anos para publicá-los.


As notícias pareciam boas demais para ser verdade. E até agora, cinco anos depois de ter passado pelo tratamento inicial, o chamado paciente de Berlim (que depois foi identificado como Timothy Ray Brown, da Califórnia) não mostra mais nenhum sinal de presença do vírus – apesar de não ter tomado nenhum medicamento antirretroviral durante todo esse período. Entre os mais de 60 milhões de infectados por HIV nas últimas décadas, Brown é certamente o único que teve a erradicação da infecção documentada.
Mas a abordagem não pode ser aplicada indiscriminadamente e isso por várias razões. Uma delas é que de início o sistema imune do paciente precisa ser completamente destruído – um procedimento muito arriscado. Mas o sucesso inesperado inspirou pesquisadores do mundo todo a tentar oferecer aos pacientes formas mais seguras e menos dispendiosas de um novo sistema imune resistente ao HIV como o que foi oferecido a Brown. Com o sucesso dessa abordagem os médicos simplesmente poderiam bater a porta na cara do HIV, evitando que ele se espalhasse de célula para célula por todo o organismo dos pacientes. Finalmente o sistema imune modificado também poderia encarregar-se de eliminar qualquer HIV residual que permanecesse dissimulado no corpo. Em vez de seguir os passos de terapias anteriores, que simplesmente suprimiam o vírus, uma nova abordagem baseada no tratamento do grupo de Berlim, se bem-sucedida, eliminaria os vírus e provavelmente curaria a doença.
Na verdade, nós e nossos colegas dispomos de uma forma mais fácil de oferecer aos pacientes com o HIV um sistema imune como aquele utilizado no tratamento bem-sucedido do paciente de Berlim. O procedimento mostrou-se promissor em laboratório e agora estamos realizando testes clínicos preliminares numa pequena amostra de pessoas infectadas com o vírus. Temos muito trabalho pela frente e não podemos garantir que a terapia seja eficaz, mas nossos resultados preliminares, aliados ao fato de o paciente de Berlim continuar livre do HIV, nos fazem acreditar que o tratamento que estamos desenvolvendo poderá mudar completamente a vida de milhões de pessoas infectadas com o HIV.

Sintonia fina do sistema imune
Nosso método para modificar o sistema imune e combater o HIV baseia-se em pesquisas que visavam dois desafios relacionados. Os cientistas precisam descobrir como superequipar o sistema imune contra o HIV e como impedir que o vírus penetre nas suas células preferidas, as células CD4+, também conhecidas como células T auxiliares. Essas células funcionam como zagueiros na resposta imune, coordenando a interação entre os diferentes tipos de células desse sistema. Quando o HIV penetra pela primeira vez uma célula T auxiliar, o vírus não provoca nenhum dano real. Mas depois, quando a célula imune é ativada para combater a infecção que está se instalando, ela produz mais cópias do HIV. Ainda mais desanimador é o fato de o HIV acabar matando essas células coordenadoras, reduzindo assim a capacidade imune de enfrentar várias outras infecções. Dessa forma, comparativamente, o vírus elimina seletivamente os jogadores mais bem treinados. À medida que essas células são reduzidas, a capacidade do organismo de combater infecções também é deprimida até a instalação da aids – estágio final marcado por infecções fatais.Descobrir como equipar o sistema imune, e ainda proteger as células T auxiliares, não é nada fácil. Mas, quando foram divulgadas as notícias sobre o paciente de Berlim, avanços já haviam sido obtidos nas duas frentes, ainda que em linhas de pesquisa separadas.


Durante anos especialistas em oncologia e infectologia pesquisaram formas de fortalecer o sistema imune – como retirar células T de um paciente, tratá-las com substâncias que promovem tanto sua multiplicação como a agressividade no combate ao câncer ou infecções virais, e depois devolvê-las revigoradas ao organismo do paciente. Dois de nós reunimos esforços há 20 anos, quando Levine veio trabalhar com June no atual Centro Médico Militar Walter Reed, em Bethesda, Maryland. Baseando-nos em trabalhos de outros autores – principalmente nos de Philip Greenberg e Stanley Riddell, do Centro de Pesquisar de Câncer Fred Hutchinson, em Seattle, e Malcolm Brenner e Cliona Rooney, atualmente na Faculdade de Medicina Baylor, em Houston – começamos a realizar experimentos para melhorar os métodos para induzir o crescimento extracorpóreo de células. Na época, as células T de um doador podiam ser cultivadas em laboratório usando coquetéis complexos de mensageiros químicos ou retirando do sangue do doador um tipo de célula chamada célula dendrítica, que normalmente ensina as células T a amadurecer e multiplicar-se prolificamente.
Acreditávamos poder simplificar o processo criando células dendríticas artificiais. Começando com minúsculos grãos magnéticos, ligeiramente menores que as células T, prendíamos à sua superfície duas proteínas que imitavam moléculas de células dendríticas. Quando misturados às células T em frascos de laboratório os grãos eram muito eficientes nas tarefas que deveriam cumprir. Reabastecendo os grãos a cada duas semanas podíamos manter uma colônia de células T ativas multiplicando-se fartamente por mais de dois meses e aumentando sua população em um trilhão de vezes.
Quando começamos a testar o método usando amostras de sangue retiradas de portadores de HIV surpreendeu-nos a descoberta de que as células T produzidas eram capazes de impedir de forma significativa – embora temporária – os avanços do HIV. Publicamos nossos resultados em junho de 1996 sem saber que o método dos grãos magnéticos usado para promover o crescimento das células T aumentava sua resistência às infecções do HIV. Mais tarde, no entanto, naquele mesmo ano uma pista importante finalmente ajudou a desvendar o mistério.






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