Há pouco mais de três anos um grupo de médicos de Berlim publicou
os resultados de um experimento inédito que surpreendeu os especialistas em
HIV. O grupo alemão retirou medula óssea – fonte das células imunes do corpo –
de um doador anônimo cuja herança genética o tornara naturalmente resistente ao
HIV. Em seguida suas células foram transplantadas em um homem com leucemia e
portador do vírus HIV por mais de dez anos. Embora o tratamento de leucemia a
que o paciente foi submetido tenha sido o recomendado para a terapia de
transplante de medula óssea, o grupo também esperava que a intervenção pudesse
fornecer células resistentes ao HIV suficientes para controlar a infecção. A
terapia superou as expectativas. Em vez de apenas reduzir a quantidade de HIV
no sangue do paciente o transplante eliminou todas as evidências detectáveis do
vírus em seu organismo, incluindo vários tecidos onde poderia ter permanecido
latente. Os pesquisadores ficaram tão surpresos com os resultados que esperaram
quase dois anos para publicá-los.
As notícias pareciam boas demais para ser verdade. E até agora,
cinco anos depois de ter passado pelo tratamento inicial, o chamado paciente de
Berlim (que depois foi identificado como Timothy Ray Brown, da Califórnia) não
mostra mais nenhum sinal de presença do vírus – apesar de não ter tomado nenhum
medicamento antirretroviral durante todo esse período. Entre os mais de 60
milhões de infectados por HIV nas últimas décadas, Brown é certamente o único
que teve a erradicação da infecção documentada.
Mas a abordagem não pode ser aplicada indiscriminadamente e isso
por várias razões. Uma delas é que de início o sistema imune do paciente
precisa ser completamente destruído – um procedimento muito arriscado. Mas o
sucesso inesperado inspirou pesquisadores do mundo todo a tentar oferecer aos
pacientes formas mais seguras e menos dispendiosas de um novo sistema imune
resistente ao HIV como o que foi oferecido a Brown. Com o sucesso dessa
abordagem os médicos simplesmente poderiam bater a porta na cara do HIV, evitando
que ele se espalhasse de célula para célula por todo o organismo dos pacientes.
Finalmente o sistema imune modificado também poderia encarregar-se de eliminar
qualquer HIV residual que permanecesse dissimulado no corpo. Em vez de seguir
os passos de terapias anteriores, que simplesmente suprimiam o vírus, uma nova
abordagem baseada no tratamento do grupo de Berlim, se bem-sucedida, eliminaria
os vírus e provavelmente curaria a doença.
Na verdade, nós e nossos colegas dispomos de uma forma mais fácil
de oferecer aos pacientes com o HIV um sistema imune como aquele utilizado no
tratamento bem-sucedido do paciente de Berlim. O procedimento mostrou-se
promissor em laboratório e agora estamos realizando testes clínicos
preliminares numa pequena amostra de pessoas infectadas com o vírus. Temos
muito trabalho pela frente e não podemos garantir que a terapia seja eficaz,
mas nossos resultados preliminares, aliados ao fato de o paciente de Berlim
continuar livre do HIV, nos fazem acreditar que o tratamento que estamos
desenvolvendo poderá mudar completamente a vida de milhões de pessoas
infectadas com o HIV.
Nosso método para modificar o sistema imune e combater o HIV baseia-se em pesquisas que visavam dois desafios relacionados. Os cientistas precisam descobrir como superequipar o sistema imune contra o HIV e como impedir que o vírus penetre nas suas células preferidas, as células CD4+, também conhecidas como células T auxiliares. Essas células funcionam como zagueiros na resposta imune, coordenando a interação entre os diferentes tipos de células desse sistema. Quando o HIV penetra pela primeira vez uma célula T auxiliar, o vírus não provoca nenhum dano real. Mas depois, quando a célula imune é ativada para combater a infecção que está se instalando, ela produz mais cópias do HIV. Ainda mais desanimador é o fato de o HIV acabar matando essas células coordenadoras, reduzindo assim a capacidade imune de enfrentar várias outras infecções. Dessa forma, comparativamente, o vírus elimina seletivamente os jogadores mais bem treinados. À medida que essas células são reduzidas, a capacidade do organismo de combater infecções também é deprimida até a instalação da aids – estágio final marcado por infecções fatais.Descobrir como equipar o sistema imune, e ainda proteger as células T auxiliares, não é nada fácil. Mas, quando foram divulgadas as notícias sobre o paciente de Berlim, avanços já haviam sido obtidos nas duas frentes, ainda que em linhas de pesquisa separadas.
Durante anos especialistas em oncologia e infectologia pesquisaram
formas de fortalecer o sistema imune – como retirar células T de um paciente,
tratá-las com substâncias que promovem tanto sua multiplicação como a
agressividade no combate ao câncer ou infecções virais, e depois devolvê-las
revigoradas ao organismo do paciente. Dois de nós reunimos esforços há 20 anos,
quando Levine veio trabalhar com June no atual Centro Médico Militar Walter
Reed, em Bethesda, Maryland. Baseando-nos em trabalhos de outros autores –
principalmente nos de Philip Greenberg e Stanley Riddell, do Centro de
Pesquisar de Câncer Fred Hutchinson, em Seattle, e Malcolm Brenner e Cliona
Rooney, atualmente na Faculdade de Medicina Baylor, em Houston – começamos a
realizar experimentos para melhorar os métodos para induzir o crescimento
extracorpóreo de células. Na época, as células T de um doador podiam ser
cultivadas em laboratório usando coquetéis complexos de mensageiros químicos ou
retirando do sangue do doador um tipo de célula chamada célula dendrítica, que
normalmente ensina as células T a amadurecer e multiplicar-se prolificamente.
Acreditávamos poder simplificar o processo criando células
dendríticas artificiais. Começando com minúsculos grãos magnéticos,
ligeiramente menores que as células T, prendíamos à sua superfície duas
proteínas que imitavam moléculas de células dendríticas. Quando misturados às
células T em frascos de laboratório os grãos eram muito eficientes nas tarefas
que deveriam cumprir. Reabastecendo os grãos a cada duas semanas podíamos manter
uma colônia de células T ativas multiplicando-se fartamente por mais de dois
meses e aumentando sua população em um trilhão de vezes.
Quando começamos a testar o método usando amostras de sangue
retiradas de portadores de HIV surpreendeu-nos a descoberta de que as células T
produzidas eram capazes de impedir de forma significativa – embora temporária –
os avanços do HIV. Publicamos nossos resultados em junho de 1996 sem saber que
o método dos grãos magnéticos usado para promover o crescimento das células T
aumentava sua resistência às infecções do HIV. Mais tarde, no entanto, naquele
mesmo ano uma pista importante finalmente ajudou a desvendar o mistério.
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