sábado, 10 de setembro de 2011

Descoberta mutação que gera câncer infantil


Linfócitos: importante para a regulação do sistema imunológico
    A imunodeficiência é uma doença muito grave, que nos anos 70 ficou conhecida como síndrome da bolha, em razão de seus portadores terem de viver dentro de bolhas esterelizadas, pois qualquer vírus ou bactéria inofensiva para outras pessoas poderia ocasionar a morte do portador. Um grupo  internacional de pesquisa, com a participação de brasileiros, se fez as seguintes perguntas: “Existe outra mutação que, em vez de eliminar as células de defesa, faça o oposto e leve à produção contínua delas, causando leucemia?”. Como resposta, obtiveram um sim. O grupo encontrou uma  mutação específica, descrita na revista Nature Genetics do dia 04/09/2011, que leva à leucemia linfoide aguda T (LLA-T), comum em crianças e em adolescentes.
A mutação altera o gene codificador de uma proteína fundamental para o desenvolvimento e o amadurecimento de um tipo importante de células de defesa, os linfócitos ou células T. A alteração afeta o gene do receptor de interleucina-7 (IL7R), proteína localizada na superfície das células T, um tipo de linfócitos responsável pelo reconhecimento e neutralização de vírus e bactérias. Com o receptor de IL7R alterado, as células T passam a se multiplicar incessantemente.
     Essa mutação é resultado de uma inserção do aminoácido cisteína no gene do IL7R. “A cisteína corrompe o funcionamento normal do receptor, facilitando a ligação de duas moléculas mutantes de IL7R”, explica um dos autores, José Andrés Yunes, do Centro Infantil Boldrini e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ambos em Campinas. Essa mutação está associada ao risco de originar o câncer. “Ainda assim, a doença é resultado do acúmulo de mutações em mais de um gene. Precisamos descobrir quais outras colaboram com o IL7R defeituoso”, conta Yunes.
     Dentre os pesquisadores responsáveis pela descoberta, estavam os brasileiros José Andrés Yunes, André Bortolini Silveira, Priscila Pini Zenatti, ambos do Centro Infantil Boldrini, em Campinas, e Silvia Brandalise, diretora da instituição, Jorg Kobarg, do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio). Os pesquisadores encontraram a mutação em 10% dos 201 pacientes com leucemia linfoide aguda T que participaram do estudo. Para confirmas a hipótese da mutação, o gene defeituoso foi inserido em ratos de laboratório: os animais ficaram doentes, desenvolveram tumores e tiveram as células leucêmicas infiltradas em diversos orgãos.

Novo tratamento e prevenção

     Segundo Yunes, apesar da gravidade da doença, em torno de 75% dos pacientes com leucemia linfoide aguda conseguem se recuperar. A nova descoberta pode levar ao uso de medicações específicas que ajudem a melhorar o quadro e curar mais pessoas acometidas por esse câncer. Drogas em fase de testes clínicos para o tratamento de outras doenças como a artrite reumatóide conseguiram barrar a proliferação e eliminar as células mutantes na leucemia. “É possível também desenvolver anticorpos para reconhecer o receptor mutante sem afetar as células normais do organismo”, conta Yunes. 
     O pesquisador disse que é improvável que a mutação causadora da leucemia linfoide aguda T seja hereditária, pois, nesse caso, mais pessoas da família apresentariam a leucemia disparada por essa mutação, o que é raro. “Vamos estudar se existe alguma interferência ambiental para que essa mutação ocorra. Suspeitamos que o dano possa ser causado durante a gravidez”.
Pesquisas epidemiológicas apontam que o uso inadvertido de hormônios ou até mesmo do antitérmico dipirona no período da gestação parece estar associado ao aumento do risco de o recém-nascido desenvolver leucemia. ““Porém, é preciso realizar estudos com maior número de lactentes doentes para obter resultados conclusivos.”
     A leucemia responde por aproximadamente 30% dos casos de câncer em menores de 15 anos no Brasil. A doença tem vários tipos, dos quais a leucemia linfoide aguda é o mais comum, com a ocorrência de dois mil novos casos por ano, segundo o Ministério da Saúde. Seu subtipo leucemia linfoide aguda T corresponde a 15% desses casos, de acordo com José Andrés Yunes.

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