Em dois momentos, Mazzafera, professor titular do Departamento de Biologia Vegetal do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), chegou a acreditar que havia alcançado seu objetivo. O primeiro foi em 2004, quando em parceria com Maria Bernadete Silvarolla, pesquisadora do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), descobriu algumas plantas originárias da Etiópia que, graças a mutações naturais, eram livres de cafeína.
Como as plantas eram da espécie Coffea arabica, considerada a de melhor sabor e maior valor comercial, a descoberta parecia promissora. Em publicado na Nature em 2004, o grupo descreveu que as variedades etíopes tinham uma alteração na etapa final do processo bioquímico que transforma a teobromina – substância diurética e levemente estimulante – em cafeína.
“Ficamos extasiados. Sabíamos que as plantas encontradas não eram muito produtivas, mas sendoC. arabica achávamos que seria fácil fazer cruzamentos e transmitir essa característica (a ausência de cafeína) para cultivares mais produtivos”, disse Mazzafera à Agência FAPESP.
Mas não foi tão simples assim, pois os cruzamentos faziam com que os descendentes recuperassem sua capacidade de sintetizar a cafeína.
A equipe do IAC ainda não perdeu a esperança e mantém a linha de pesquisa com coordenação de Silvarolla. Mazzafera decidiu tentar uma nova abordagem: tratar sementes de C. arabica – de uma variedade comercial conhecida como Catuaí Vermelho – com substâncias capazes de alterar o DNA da planta.
Em uma
pesquisa financiada pela FAPESP, entre 2006 e 2008, quase 30 mil sementes foram expostas a dois agentes mutagênicos – azida sódica e metano sulfonato de etila –, na esperança de que o gene responsável pela síntese de cafeína fosse afetado em alguma delas.
Entre milhares de plantas analisadas, cinco mostraram ser boas candidatas e Mazzafera, mais uma vez, achou estar perto de alcançar a meta. “Fiquei empolgado, pois havia obtido uma variedade potencialmente muito produtiva, como o Catuaí, e sem cafeína.”
Mas durante os primeiros testes o pesquisador notou que as flores da planta mutante abriam antes da hora, deixando-a mais suscetível a receber pólen de variedades com teor normal de cafeína. “A polinização cruzada acaba restaurando o teor de cafeína. Para evitar isso, seria preciso isolar a plantação em um raio de 2 quilômetros, o que seria inviável”, contou.
A equipe sequenciou o gene da cafeína sintase na planta mutante e verificou que ele estava normal, mas tinha pouca expressão. “Provavelmente, atingimos um fator de transcrição, ou seja, um gene que controla a expressão do gene da cafeína sintase e também controla algum gene relacionado à abertura das flores”, explicou Mazzafera.
Alternativa transgênica
Há três anos, a equipe tenta corrigir o problema por meio de novos cruzamentos. Paralelamente, busca entender melhor o funcionamento do fator de transcrição afetado pelos mutagênicos.
“Temos dois bons candidatos. Vamos silenciar esses genes em uma planta normal para comprovar se, de fato, eles controlam tanto a síntese de cafeína como a abertura das flores. Uma segunda etapa seria fazer com que eles controlassem apenas a síntese de cafeína”, explicou Mazzafera.
Ainda que obtenham sucesso, os pesquisadores teriam de vencer o tabu relacionado ao consumo de alimentos transgênicos para transformar o resultado da pesquisa em um produto de valor comercial.
Grupos de outros países também tentaram, sem sucesso, desenvolver uma planta de café descafeinada por meio de engenharia genética, como apontou a reportagem da Nature. Como o mercado de descafeinados movimenta cerca de U$ 2 bilhões por ano, a busca dos cientistas não dá sinais de enfraquecimento, mesmo com os sucessivos reveses.
“Muitas pessoas não tomam café porque não querem sentir os efeitos estimulantes da cafeína e, ao mesmo tempo, acham o gosto do café artificialmente descafeinado ruim”, disse Mazzafera.
Isso ocorre porque os processos existentes atualmente para extrair a cafeína removem também outras substâncias do café, como os ácidos fenólicos e clorogênicos. E essas substâncias são importantes para garantir não somente o aroma e o sabor da bebida como também seu efeito antioxidante.
“Se conseguirmos criar uma variedade de café sem cafeína que mantenha as demais características do C. arabica, muito mais gente vai passar a tomar café”, opinou Mazzafera.